quer queiramos quer não, todos nós os que nascemos, até 80, somos filhos do 25 de abril. os que por ele lutaram, os que por ele desesperaram, os que tanto o evitaram antecipado (e que bem que hoje me saberia dizer a revolução do 28 de março de 74), os que tanto o anteciparam, pois só a sua coragem o tornou possível, mas também os que não o vivendo (nem à ditadura derrubada por ele), os que só nascendo após essa manhã clara, mesmo assim cresceram sobre a esperança renovada daquela noite inteira.
eu sempre fui muito injusto com a revolução dos cravos. sempre a contestei. pelas poucas balas disparadas, pelos poucos mortos vingados, quase como que assumindo que tal como os nossos brandos e fadisticos costumes, também o mfa foi macio com o estado novo, se bem que este fosse já uma moribunda sombra do salazarismo pré-guerra colonial.
agora, adulto tal como a revolução de abril, olhando para trás, percebo que poética como a nossa história, só assim podia ter decorrido aquela madrugada. foi generosa, porque capitães foram generais, honesta quando julgamentos sumários e populistas foram evitados e duma enorme coragem, pois não só o seu insucesso levaria à morte dos seus mentores, como a sedução do poder não foi (talvez pela ultima vez) inebriante o suficiente para corromper aqueles heróis. no fim o poder foi entregue ao povo. haverá muito quem defenda a ineficácia daquele levantamento. é falta de respeito, é até despeito. pede-se demais à revolução dos cravos, clama-se por continuidade, acusam-na de faltar ao que prometeu! o 25 de abril, anda agora envergonhado pelas bocas contestatárias, sem sequer comparecer já ao 1º de maio.
que injustiça a que te reservei durante todos estes anos. 25 de abril sempre. ao ver hoje a situação de portugal, consciente agora do teu valor, já não te acuso mais por este estado novo. compreendo finalmente porque foste chamada pomba mensageira. perdoa-me. tal como muitos não me apercebi, que tal como tantos, participei também (se bem que levo já a minha conta de revoluções) na construção preguiçosa deste marasmo, que estagnou a democracia. a indiferença, tal como em muitas outras desconstruções dos problemas das sociedades, é senão a mais importante ou a primeira das razões, pelo menos ingrediente base do insucesso... de abril para os levianos, mas claro da sociedade e dos seus cidadãos para os atentos.
a abril e aos que nele não acreditam, posso apenas oferecer a lembrança da memória da sua maior voz, zeca afonso e a sua trupe, com o seu povo a 29 de janeiro de 1983... e a quem não se sentir tocado ou pequenino perante a vida que nessa altura ainda brotava abundantemente daqueles cravos revolucionários, então perdoem-me,... mas não culpem a revolução!
http://www.dailymotion.com/video/x2i1lm_zeca-afonso-grandola-vila-morena-12_music
Somos filhos da madrugada
Pelas praias do mar nos vamos
À procura de quem nos traga
Verde oliva de flôr no ramo
Navegamos de vaga em vaga
Não soubemos de dor nem mágoa
Pelas praias do mar nos vamos
À procura da manhã clara
Lá do cimo duma montanha
Acendemos uma fogueira
Para não se apagar a chama
Que dá vida na noite inteira
Mensageira pomba chamada
Companheira da madrugada
Quando a noite vier que venha
Lá do cimo duma montanha
Onde o vento cortou amarras
Largaremos pela noite fora
Onde há sempre uma boa estrela
Noite e dia ao romper da aurora
Vira a proa minha galera
Que a vitória já não espera
Fresca brisa, moira encantada
Vira a proa da minha barca
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