Friday, May 06, 2011

portismo

a primeira memória que tenho, ou melhor, não é uma memória que de facto eu tenha... é mais uma estória que me foi contada. penso que decorria o ano 1980 ou talvez o seguinte, quando num típico sábado de manhã subi junto com o meu pai e o meu avô materno, do outeiro até ao conde ferreira, e daí até à grande rotunda de fernão magalhães, passando pelo court do vigorosa, para dali descer às antas, ao campo de treinos por trás da arquibancada, para ver os juniores. às tantas por catorze, um miudito de 3, 4 anos, esgueira-se pela rede que separava o jogo do público e entra na partida em claro fora-de-jogo, grita revoltado o meu avô, "mas que sacana deixa assim a canalha!!!", interrompido surpreendidamente pela correria do meu pai defendendo aqui o narrador de qualquer lesão prematura que lhe arruinasse a carreira enquanto a pequena multidão exultava, aplaudindo a futura estrela numa gargalhada geral.
mais tarde, e agora sim lembrando-me já pela minha memória, não menos que com 4 anos de idade e nunca acima dos seis de vida, doutra manhã de jogo de juniores, desta vez mesmo no estádio das antas. ainda pouco percebia de futebol, mas sei que era já a fase final do campeonato, pois em juniores estas equipas só se defrontam nas etapas mais adiantadas. pois muito bem que o sporting estava a aviar o porto e lá entre o 1-3 e o 1-4, esta pobre alminha sofredora, começa a chorar, embirrando com aquele espectáculo deplorável, sentido-me ludibriado, o porto era derrotado copiosamente e eu não queria estar ali a ver aquilo com que não me tinha comprometido. mais uma vez uma pequena multidão alegremente assistiu de cadeirão ao nascer de uma superstar que embora deixando o futebol precocemente, também ainda muito jovem envereda pela melodramatologia. só muito mais tarde percebi, que aquela choradeira era já doença do coração e a esta não haverá transplante que me valha.
pois bem que chega 1984, estava eu no infantário, quando o marco, parceiro de brincadeira e comigo, dupla infernal para qualquer defesa de educadoras cinquentonas, me tenta mostrar, em todo o seu benfiquismo (só poderia ser?!...), que a juventus de turim era muito mais forte que o porto. que ao fcp não restava qualquer outra hipótese senão marcar presença na final de basileia, a taça das taças era para italia. obviamente, que tive que o fazer ver pela força (aos seis é difícil argumentar pela razão apropriadamente) que bonieks e platinis não eram adversário para o meu porto. obviamente, levei nos fungotes. depois daquelas palavras de desencorajamento e após bater com o lábio superior na mesa, instalou-se em mim medo. é a primeira memória que tenho deste estado de espírito. lembro-me de ver a final na sala, quando esta ainda era inteira e ainda por dividir com o meu futuro quarto. o porto perdeu. o boniek marcou. não me lembro do zé beto bater no bandeirinha. lembro-me do medo de perder... mas também do golo do sousa e daqueles poucos minutos de euforia por ele oferecidos. não há muitas mais sensações de êxtase que se equiparem ou transcendam à que um golo sonhador dá! lembro-me quando o sousa marcou que em silêncio chorei sem ninguém ver! era de alegria... como não me apaixonar...
a partir daí comecei a ser presença assídua nas antas. superior sul, do lado dos cativos, próximo da torre de iluminação enterrada na bancada. já me lembro das foguetadas do futre, da magia do madjer, do gomes ser o meu ídolo. isso tudo é já memória vivida e vívida, constante e contínua. aprender a jogar no totobola. festejar um golo do gomes na luz e festejar o facto de ter acertado no totobola no jogo benfica x porto, 2... sempre porto a ganhar... nem distinguia que uma coisa era o desejo e outra era a realidade. a minha primeira festa veio com o 4-2 ao covilhã. estávamos a perder ao intervalo 0-2. era a última jornada. lembro-me do eloi a marcar de penalty. lembro-me do público encostado às linhas do campo, da invasão, da festa, de sermos campeões! não sei se era já o bicampeonato com artur jorge, ou ainda o primeiro título.
depois 87. outra vez o medo. mas aí já consciente. eu nessa altura já percebia o suficiente de futebol para saber que nem futre, nem madjer, chegavam para o bayern. tinha 10 e já sabia tanto como isso. e o gomes na lateral com a perna engessada... aí... mas o jogo começa e senti-me estranhamente confiante, o medo passou e foi aí que pela primeira vez na vida exercitei o raciocínio sobre os sentimentos. não era medo!!! era nervosismo! mas claro o kogl marcou e eu fiquei todo cagadinho de medo de novo... mas como é que o mlynarczyk (after google, obviamente) saiu da baliza daquela maneira. depois tudo é um grande borrão até estar em cima do sofá a chorar agarrado aos meus pais depois do calcanhar do madjer. os meus pais levaram a mesa da cozinha para a sala para lá jantarmos e vermos a valsa a cores na nossa itt ideal color. mas eu já não aguentava. começou aí também o vício de não me sentir bem quando nervoso com o fcporto enquanto continuo a enfardar o bucho. marca o juary e já o meu pai me mandava sair de cima do sofá! estava já preparado para fazer a festa! ninguém me disse que era para fazer uma festa, mas era tamanha a alegria que só uma festa me parecia adequada à ocasião!
depois o rui barros e a supertaça europeia e a intercontinental de madrugada e à neve. a incapacidade em compreender o porto com ivic e sem gomes, o nascer do domingos, o gomes no sporting. campeonatos, taças, grandes jogos, grandes vitórias, de novo o artur jorge, o cas, o kostadinov e o domingos e os que vinham substitui-lo, o fernando couto e o baía e tantas memórias que tenho... mas também as que podia ter e que já perdi, pois ocupei algum espaço em disco, com o benfica a perder com o psv e o milão!!! e estas devo-as ao meu avô xico! e obrigado por elas... é bonito eu dizer que adoro ver o benfica a perder... claro que SIM!!! farto-me de dizer, que se num campeonato imaginário, após ganhar tudo a toda a gente, num beco escuro em medronho de cima, para a modalidade de berlinde partido, infantis deficientes, meninas... porto x benfica jogarem... e o porto perde! eu enfio-me no cinema a ver qualquer filme do van damme! até ao shopping fechar!!! não é só odiar perder, é também odiar que eles ganhem... é obviamente primário este meu comportamento!!! mas que porra com aquele equipamento é que eu não posso! é o sport lisboa de gajas cheias com o período à brava!!! infelizmente também isto é o meu portismo... obviamente que me rio ao lembrar-me do meu avô comprar a bola e depois ir devolvê-la à papelaria, para que os donos não tivessem que pagar o jornal ao fornecedor. nem imaginam as vezes que no bairro a minha família passava vergonha enquanto eu e o meu avô queimávamos posters do benfica campeão, enquanto fazíamos qualquer tipo de dança índia da chuva à volta da fogueira! o meu avô pode ter tido muitos defeitos, mas eu agradeço-lhe eternamente ter-me feito portista!!!
veio o robson e o oliveira, o "enginheiro", o penta e o jardel a voar entre os centrais!
veio o mourinho e mais vitórias na europa e no mundo! veio a final de sevilha e aquela corrida louca de ermesinde a paranhos, pela areosa com aquela loucura nas ruas! a festa em casa dos meus avós!!! mas que loucura! nunca vi daquilo! veio aquele berro enorme com o golo do costinha em manchester!!! naqueles anos acreditávamos que ganharíamos desse por onde tivesse que dar! eu odeio o mourinho!!! saiu, puta que o pariu, mas confesso que com ele, naquele tempo, era até à morte! era até onde ele mandasse e o jorge costa empurrasse!!! vivi tudo aquilo, no estádio! já sem a companhia do meu pai! nas antas e no dragão! porque para mim são diferentes!
mas foi na final da champions de 2004 que a minha avó começou a morrer! nesse dia caiu!!! os meus pais levaram-na ao hospital, o meu avô já nem quis ver o jogo! mal festejou os golos... e chorou... chorou muito! a minha avó amedrontada por qualquer demência, nunca mais voltou a andar... acamou, morreu naquela casa! e eu nunca mais fui o mesmo! e o meu portismo também não! fiquei ressentido com o mourinho não ter festejado, fiquei ressentido por ter eu festejado e só um ano depois, no dia da morte da minha avó nanda, ter percebido que foi naquela final que começou a sua partida!
depois as memórias são as de todas as outras pessoas... vitórias e derrotas, campeonatos e decepções, golos e abraços... mas já não me apetece escrever mais... a minha avó assim me ordena! mais uma vez volto a dedicar-te um momento! igual a muitos que aqui e noutros lados, no meu coração principalmente, já te dediquei...

Tomara
Que você volte depressa
Que você não se despeça
Nunca mais do meu carinho
E chore, se arrependa
E pense muito
Que é melhor se sofrer junto
Que viver feliz sozinho

Tomara
Que a tristeza te convença
Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz
E o verdadeiro amor de quem se ama
Tece a mesma antiga trama
Que não se desfaz

E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais...

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