Thursday, May 05, 2011

canto moço somos filhos da puta...

quer queiramos quer não, todos nós os que nascemos, até 80, somos filhos do 25 de abril. os que por ele lutaram, os que por ele desesperaram, os que tanto o evitaram antecipado (e que bem que hoje me saberia dizer a revolução do 28 de março de 74), os que tanto o anteciparam, pois só a sua coragem o tornou possível, mas também os que não o vivendo (nem à ditadura derrubada por ele), os que só nascendo após essa manhã clara, mesmo assim cresceram sobre a esperança renovada daquela noite inteira.
eu sempre fui muito injusto com a revolução dos cravos. sempre a contestei. pelas poucas balas disparadas, pelos poucos mortos vingados, quase como que assumindo que tal como os nossos brandos e fadisticos costumes, também o mfa foi macio com o estado novo, se bem que este fosse já uma moribunda sombra do salazarismo pré-guerra colonial.
agora, adulto tal como a revolução de abril, olhando para trás, percebo que poética como a nossa história, só assim podia ter decorrido aquela madrugada. foi generosa, porque capitães foram generais, honesta quando julgamentos sumários e populistas foram evitados e duma enorme coragem, pois não só o seu insucesso levaria à morte dos seus mentores, como a sedução do poder não foi (talvez pela ultima vez) inebriante o suficiente para corromper aqueles heróis. no fim o poder foi entregue ao povo. haverá muito quem defenda a ineficácia daquele levantamento. é falta de respeito, é até despeito. pede-se demais à revolução dos cravos, clama-se por continuidade, acusam-na de faltar ao que prometeu! o 25 de abril, anda agora envergonhado pelas bocas contestatárias, sem sequer comparecer já ao 1º de maio.
que injustiça a que te reservei durante todos estes anos. 25 de abril sempre. ao ver hoje a situação de portugal, consciente agora do teu valor, já não te acuso mais por este estado novo. compreendo finalmente porque foste chamada pomba mensageira. perdoa-me. tal como muitos não me apercebi, que tal como tantos, participei também (se bem que levo já a minha conta de revoluções) na construção preguiçosa deste marasmo, que estagnou a democracia. a indiferença, tal como em muitas outras desconstruções dos problemas das sociedades, é senão a mais importante ou a primeira das razões, pelo menos ingrediente base do insucesso... de abril para os levianos, mas claro da sociedade e dos seus cidadãos para os atentos.
a abril e aos que nele não acreditam, posso apenas oferecer a lembrança da memória da sua maior voz, zeca afonso e a sua trupe, com o seu povo a 29 de janeiro de 1983... e a quem não se sentir tocado ou pequenino perante a vida que nessa altura ainda brotava abundantemente daqueles cravos revolucionários, então perdoem-me,... mas não culpem a revolução!

http://www.dailymotion.com/video/x2i1lm_zeca-afonso-grandola-vila-morena-12_music

Somos filhos da madrugada
Pelas praias do mar nos vamos
À procura de quem nos traga
Verde oliva de flôr no ramo
Navegamos de vaga em vaga
Não soubemos de dor nem mágoa
Pelas praias do mar nos vamos
À procura da manhã clara

Lá do cimo duma montanha
Acendemos uma fogueira
Para não se apagar a chama
Que dá vida na noite inteira
Mensageira pomba chamada
Companheira da madrugada
Quando a noite vier que venha
Lá do cimo duma montanha


Onde o vento cortou amarras
Largaremos pela noite fora
Onde há sempre uma boa estrela
Noite e dia ao romper da aurora
Vira a proa minha galera
Que a vitória já não espera
Fresca brisa, moira encantada
Vira a proa da minha barca

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